MAIS UMA FIGURA POPULAR
DE NOSSA TERRA
Eurides Pinto – O Banhado Tiririca
A Evolução das comunidades
é tão rápida que se não é
por alguns, chamados saudosistas ou ligados à área
da História, empenharem-se para guardar os acontecimentos
passados, muita coisa estaria dentro do sentimento do povo.
As Figuras Populares são símbolos em todas
as agrupações urbanas ou rurais, principalmente,
aqueles que por uma deformação física
ou mental, são alvos das brincadeiras das crianças,
quase sempre incentivadas por adultos.
Em todos os instantes, essa situação não
foge à regra, não é de duvidar que,
muitas vezes, fazemos estas maledicências, malvadezas
por inocência, o que é muito raro, ou então,
como um alívio por não ter acontecido conosco
ou nossa família.
Sempre andarão por aí, entre nós, pessoas
que são execradas, principalmente, quando se revoltam
com tal agressão.
Eurides Pinto foi um deles. Ao invés de aceitar as
brincadeiras e apelidos que combinavam com seu visual, mantinha
um comportamento um tanto agressivo, respondendo com irritação,
proferindo palavrões.
Um acontecimento marcante na vida de Eurides, teve lugar
no Hotel Brasil, quando Davi Lima era gerente. Isto nunca
foi confirmado por ele, porém, o coitado tinha reações
até violentas quando a gurizada da rua gritava: “Quebraste
os pratos do Davi”. Maior trauma lhe causava ainda,
e ninguém soube explicar porque, quando algum passante
chamava-o aos gritos: “Banhado Tiririca”!
Eurides Pinto – o Banhado Tiririca, vem de gente importante
lá da zona do Sarapico, sendo cunhado do Lindico
Saraiva e do João Machado, e que sempre viveram na
rua João de Oliveira Rodrigues entre a Av. Bento
Gonçalves e o Ginásio de Esportes Cardeal.
Mocinho ainda, em 1923, quando nosso estado esteve convulsionado
por uma série de revoluções armadas,
sendo a mais conhecida neste ano, a luta entre Castilhistas
e Assisistas, e que terminou com a paz de Pedras Altas,
onde Borges de Medeiros aceitou, para continuar mais vinte
e cinco anos no poder, em alterar a Constituição
Estadual, proibindo a reeleição.
O Estado de guerra que muitos males causa, era difícil
de controlar, principalmente, pela distância das comunidades
e os parcos recursos dos municípios onde as lutas
eram brutais.
Santa Vitória do Palmar sempre possuiu uma emoção
belicosa, sendo que as forças partidárias
ou mesmo esportivas, formavam uma barreira intransponível
para ocupar cargos públicos, posições
esportivas, onde era rigorosamente vedado o acesso de gente
de um lado para o outro, inclusive amorosa.
O governo do Rio Grande do Sul, desesperado com a ação
interminável de refregas entre irmãos, criou
uma fora pública de responsabilidade do Governador
do Estado e, que na época chamava-se Presidente,
dando poderes ao Prefeito Municipal e ao Delegado de Polícia
para comandá-la com “mão de ferro”.
Este grupo chamado de Corpo dos Provisórios porque
finda a ação militar e pacificada a região,
ele seria dissolvido. Os membros da corporação
sempre requisitados na população pobre, do
sexo masculino, alguns de má formação
social, mas outros de boa índole e que se organizavam
para praticar o bem. Ficam conhecidos como “Os Por
Enquanto”.
O Banhado Tiririca, Eurides Pinto, fez parte dessa coluna
militar, sendo homem de confiança do Delegado, “pau
para toda obra”, expressão comum naqueles longínguos
tempos. Para trabalhos de ações extras militares
o Banhado Tiririca servia, inclusive, embora não
haja provas comprobatórias do fato, que por ser pitoresco,
conto: “Dizia-se, a boca pequena, que o enérgico
comandante possuía um “achego” na periferia
da cidade e que, muitas vezes, nos momentos de ronda dava
uma passadinha na casa de sua amada. No entanto, nas noites
calmas, sem a necessidade da presença da autoridade
de “Chefe”, e, com a confiança que possuía
no Eurides usava um estratagema que o soldado Por Enquanto
fazia com prazer e zelo. Chegava à residência
da autoridade e, batendo à porta vinha atendê-lo
a esposa. Ele dava-lhe um recado urgente que o comandante
deveria juntar-se aos soldados pra uma diligencia e lá
se evadia o feliz apaixonado para passar uns instantes nos
braços da linda “amiga”, (“Expressão
daqueles tempos”).
Em certa ocasião, o soldado Eurides, que falava espanhol,
mesmo sendo brasileiro, costume da região e influencia
dos vizinhos uruguaios, pediu uma audiência urgente
com a autoridade que custou a recebe-lo. Quando aconteceu
e perguntado o que fazia ali naquele momento respondeu-lhe
que precisava muito de um aumento em seus vencimentos e
o cartão disse-lhe que impossível atender
ao inusitado pedido, mas o cabo, agora promovido, continuou
a redobrar seu preito. Nesse momento, o delegado respondeu-lhe
num tom ameaçador, que não poderia assegurar
sua pendência, perguntando-lhe a razão de tanta
insistência. O Banhado Tiririca disse profeticamente...
Diligencia, My Delegado... Diligencia... Diligencia, My
Delegado...
Não é preciso fazer grandes exercícios
mentais para saber que o Eurides, além de promovido
na tropa, como realmente fora anteriormente, teve seu salário
de militar aumentado.
Os Por Enquanto terminaram sua função e o
Eurides foi envelhecendo, sendo conhecido nas cozinhas dos
restaurantes, casas de jogo, no Hotel Brasil, talvez daí
a brincadeira, e terminou seus dias, enquanto teve forças,
perseguindo a meninada e, muitas vezes, adultos impiedosos.
Com um grande chapéu, tentando vestir-se, com as
roupas que muitos lhe davam, e uns óculos de sombra,
principalmente os famosos Raind-Band, percorria nossas ruas
e quem sabe, para espantar às vozes malvadas que
lhe gritavam aterrorizantemente. Somente ficava eufórico,
numa conversa serena com os mais racionais quando estes
mesmo brincando, o chamavam de General.
Um dia cinza e frio dos anos sessenta, depois de um longo
acamado em casa de sua irmã e posteriormente, ocupar
um leito no antigo isolamento da Santa Casa, partiu Eurides
Pinto para seu último local de descanso, não
ouvindo mais os gritos dos moleques que entoavam à
sua passada, a gritaria dolorosa e infernal de ... Banhado,
quebraste os pratos do Davi Lima... ou de Banhado Tiririca...
mas sim, vendo a sua frente um pelotão garboso do
Corpo dos Provisórios, os Por Enquanto, fazendo continência
a ele, seu grande general e assistindo, não sei de
onde, o sorriso calmo e libidinoso do seu chefe comandante
dos Provisórios e ele, agora promovido, dizendo...
“Diligencia My General... Diligencia My General”.
Lá estão em formatura solene, os companheiros,
respeitando as divisas conseguidas com consciência
e astúcia, num campo onde é difícil
ser “de um Por Enquanto a um grande General”.
Diligencia... Nada Mais... Que Diligencia...
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Foto
do acervo de Gerson Juarez Maragalhoni, vendo-se de
pé Eurides Pinto e, sentados no umbral da porta
do prédio onde se localizava a oficina rádio
técnica, situada à rua Conde de Porto
Alegre quase esquina Sete de setembro, Gabriel Pizzarro,
tendo ao colo sua filha Dinamara, Venâncio Sanes
e Eudóxio Lazo.
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