A Boêmia dos novos
tempos sob o arguto comando de Vicente Petruzzi
Começava
a era de 1950 com grandes modificações na
estrutura da vida comunitária neste extremo sul do
Brasil e o movimento social iria a apresentar novas nuances
entre o circular da vida noturna, principalmente na noite
que era silente, cujas ruas escuras e seguras, proporcionavam
uma outra espécie de indivíduos que faziam
daquele horário seu meio de subsistência e
de lazer.
O jogo carteado, as mesas de biliar, a fervescente agrupação
depois das onze horas e o deslocamento para as casas noturnas,
algumas tradicionais, eram pontos infalíveis da boêmia
fulgurante. Os clubes Comercial e Caixeiral, ligados com
Jockei Clube davam a recepção a tanta gente
que fazia nessa hora um dos instantes mais importantes da
sua vida.
Os cabarés, como o já decadente Taça
de Ouro, o apelidado Quincho ou Perigo, o do Umbu, na curva
da faixa nos Patellas, em fase de encerramento de suas atividades
e em meados dessa década surgindo o Isidoro, a Tânia,
o Gato Preto e outros, de menos destaque, eram o destino
dos notívagos da Terra.
A energia elétrica deixava de ser fornecida após
as onze e meia, conforme foi contado na crônica anterior
e desse tempo em diante, reinavam os potentes faróis
Aladinos, Colleman, movidos a gasolina ou querosene, de
luz clara e forte.
Entre tantas pessoas que atuavam noturnamente foi destaque
Vicente Petruzzi, argentino, de origem italiana, já
que seu pai saído da península itálica,
chegou até aqui passando por Buenos Aires, onde o
Homem destacado nasceu e depois, quando a família
citada aqui aportou, o mesmo, uniu-se em matrimônio
com América Leonetti, também oriunda do grupo
étnico igual e que deu-nos em retribuição
duas grandes figuras que prematuramente se foram do nosso
convívio, a professora Carmem, de saudosa memória
e o destacado mestre no desenho, pintura, escultura, teatro,
João Carlos.
Vicente, o filho mais velho do inconfundível açougueiro
Domingos Petruzzi, folclórico, de uma bonomia tal,
que só fazia amizades e deixava uma réstea
de respeito e admiração.
No entanto, Vicente dedicou-se em quase toda a sua existência
a “vida de jogo”, explorando as copas das entidades
sociais citadas e foi “ecônomo”, termo
muito usado por aqueles tempos, mas esteve mais no Clube
Caixeiral, que infelizmente, embora juridicamente exista,
não representa mais a importância dentro da
sociedade santa-vitoriense.
Sempre estava atento ao fornecimento dos jantares noturnos,
como os famosos “completos” feitos pelo Lindico
e seu irmão, Sarapico, quando vinham à mesa
os suculentos bifes com ovo, arroz e batata frita ou as
apreciadas lingüiças destes últimos,
expressão que servia para uma interpretação
jocosa da turma.
Ao “apagar a luz”, a carpeta, termo espanhol,
era formada com grande movimentação, pois,
o dinheiro corria solto na cidade e na campanha, acompanhando
o gosto da “timba” dos nossos produtores, onde
gravitava uma coordenada espécie que era conhecida
por “timbeiros”.
Dessas atividades, surgiram figuras que estão estampadas
nas fotos deste trabalho e quantas expressões e apelidos
ficaram na memória dos freqüentadores daqueles
locais como, “no hay agua pa el”, quando alguém
disse que depois do Titanic, os americanos estavam construindo
um barco três ou quatro vezes maior que ele e então,
Vicente Petruzzi, com sua veia repentina e hilariante disse
que o mesmo não poderia navegar, já que sendo
tão grande, não existiria água no mar
para que o mesmo se locomovesse, duvidando da notícia
contada ai. Noutra ocasião, tendo ao lado o jovem
estudante Sérgio Martino de Oliveira, que viajando
à capital do Estado, trouxe a novidade de tomar uma
caipirinha diferente, ao invés de cachaça,
como era de costume, queria fazê-la com vodka, que
era a coqueluche entre os porto-alegrenses.
Nesse interim, com a insistência do deslumbrante rapaz,
com ares de cidade grande, que queria vodka, vodka, o arrendatário
da copa não sabendo de que se tratava e como o seu
linguajar era um misto de português com espanhol,
perdendo a paciência, porque ficara inferiorizado
com os conhecimentos do moço que havia estado um
pequeno tempo “pra dentro”, num misto de gozação
e raiva disse-lhe: “vais a Porto alegre e voltas todo
diferente, querendo somente “bolca...bolca...bolca”.
Esta é a verdadeira razão do apelido que o
nosso eclético professor de História e Bacharel
em Direito, leva com muito orgulho.
Assim perambulou por nossas noites Vicente Petruzzi, torcedor
fanático pelo E.C Vitoriense, como toda a sua gente,
criando modismos, servindo aos amantes do jogo e preparando
as refeições para que os boêmios da
ocasião seguissem para os confins do norte e sul
da cidade que nessa época era uma ilha de segurança,
tranqüilidade e silêncio, nas noites bonitas,
tendo a vigiá-los a “Guarda Noturna”
ou patrulha nas ruas arenosas e um modo de vida que o tempo
e o progresso apagaram para sempre.
Que figura ímpar o Vicente...que figura...
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