LULA TORINO – O BOÊMIO
DA NOITE E DO ENCANTAMENTO
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A
noite é um momento insano,
Pois, as estrelas descem loucas
Para brilhar conosco
E passear nas ruas numa eterna solidão....
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Gostava de repetir esse ditado quando estava em rodas de
versos ao som de um violão. Este era o conterrâneo
Luis Aufres Fontes Torino, filho de Joaquim Torino e de
Itelvina Fontes, saído de uma mistura de carioca,
outro português, de uma uruguaia e oriundo deste solo
santa-vitoriense.
Seu avô, José Antonio Fontes, nascido no Rio
de Janeiro foi o criador do balneário do Hermenegildo
tento sempre como companheira, a castelhana Cecília,
famosa por seu sino que chamava os banhistas, separando
os homens das mulheres na hora de entrar no mar. Seus pais,
foram o português, Joaquin Torino que casando-se com
a filha do fluminense, herdou a gleba da “Estação
de Veraneio”.
Luis Aufres, o LULA, figura popular e inesquecível,
povoou as noites de nossa cidadezinha e arredores, numa
boemia incessante, que marcou a sua passagem por este mundo
com afabilidade presente e de dedicação, principalmente
quando na escuridão, o tempo custava a passar no
instante em que algum lar estava numa angústia por
enfermidade ou outra razão de desespero.
Nesse momento, lá estava o seu LULA, se fosse inverno
com uma pesada capa, abrigando-o da chuva ou frio, mas se
no resto da estação, com sua tradicional roupa
branca, impecavelmente alva, oferecendo cigarros ou balas,
para tentar amenizar o ambiente.
A noite era toda sua que ele chamava de insana, nos versos
que sempre estava a recitar e embora sendo funcionário
federal, quase nunca podia estar na “repartição”
na abertura dos trabalhos, já que dormia o sono dos
justos.
Não faltava nos momentos de aflição,
os de velório e também, nas casas de jogatina,
não ficando muito tempo no mesmo lugar, porque, como
se dizia antigamente, “não esquentava o banco”.
Casado com a moça do Chuí, dona Elvira Balau,
santa mulher, que suportava todos os seus hábitos
que estavam na assistência noturna e na passeata constante
que o fazia perambular por nossas ruas e estradas.
Tinha vários apelidos mas o mais conhecido era o
de borboleta, significando aqueles animais que são
atraídos pela luz, principalmente se pelas redondezas
impera a escuridão.
As noites de Santa Vitória do Palmar eram de uma
placidez incomparável pelo inusitado de se viver.
A energia elétrica deixava de existir muito cedo
e somente as casas de jogatina ou prostituição
possuíam em tênue brilho de lâmpiões
para realizar as suas funções. No mais, era
tudo breu, mas os olhos dos habitantes, preferencialmente
os notívagos, estavam acostumados com esse panorama,
que embora criasse muitas dificuldades, era um lenitivo
para os espíritos românticos daquelas épocas
onde as ruas eram arenosas ou barrentas e o céu,
parecia que estava cada vez mais baixo tocado em nossas
cabeças.
Lula Torino era a alegria da gurizada porque ao passar por
ele, sempre recebiam um prêmio, que era um punhado
de balas. Também, nos mais granfinos locais onde
estava, o hábito de dar doçuras ou cigarros
aos filantes, era uma prática costumeira.
O tempo foi passando e Lula Torino envelhecendo. Seu corpo
engordou, deixando de possuir elegância de sempre.
A saúde começou a apresentar os seus desgastes
visíveis e a eterna e compreensível companheira
dona Elvira foi perdendo a paciência e orientada pelos
médicos, começou a questioná-lo em
razão de suas noitadas, cousas que antes não
fazia. Era a situação final.
Lula Torino que havia marcada a sua passagem por nossas
vias, quase sempre à noite, foi deixando sua peregrinação
constante e começou a definhar lentamente e ai, é
que aconteceu o milagre do entendimento da filosofia do
velho boêmio.
A noite era um momento insano porque lhe dava todas as razões
de sua lírica. A confirmação disso
é que ele sentia dentro de sua imaginação
que as estrelas desciam loucas para brincar com ele e passear
pelas ruas e ai se foi esta grande figura.
Nunca fez mal a ninguém. Serviu a todos que necessitaram
seus préstimos. Ajudou a consolar tantos em momentos
difíceis quando a escuridão apavora, mas também,
esteve misturado nos instantes de festas, fossem nos clubes
sociais, nos cabarés ou simplesmente passeando com
os astros na solidão noturna, na política
foi getulista, no futebol rio-branquista, suas grandes paixões.
Foi-se Lula Torino, manso e calmo, como viveu sempre e quem
sabe, depois de sua morte, nós não ficamos
a compreender que existem pessoas que são dotadas
de sonhos para nos chamarem atenção de que
realmente as cousas ruins que nos acontecem não possuem
o lado bom de mostra-nos o caminho a palmilharmos.
Lula Torino, foi entre tantos, um boêmio que adotou
a noite por sua musa inspiradora e refletiu a verve poética
desta gente do sul.
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