A
escravidão nos campos do sul
A escravidão, que sempre foi uma mancha dentro da
vida social de qualquer comunidade, esteve presente no desenvolvimento
brasileiro como uma necessidade, embora dolorosa e injusta.
Nossa economia, com base na agricultura e mineração,
não podia dispensar o trabalho escavo, mas desse
modo, nos vimos, como em todo mundo, trazendo este rótulo
de barbárie, infelizmente aceito e usado como fato
de progresso. Uma lástima!
Santa Vitória do Palmar também teve a instituição
da escravidão entre as normas de sua vida social
e econômica, mas como em todo Rio Grande do Sul pecuário,
fora Pelotas e o porto de Rio Grande, esta não foi
tão intensa e muito menos tão cruel, já
que existiam aqui grandes aglomerados humanos dessa gente
tão sofrida. E por que isso? Simplesmente pelo fato
de sermos uma região de criação onde
o índio adaptou-se enormemente a essa atividade,
extraindo daí comida e o cavalo, que colocou na vanguarda
da faina, das correrias e mais, das violentas guerras no
pampa sulino, resultando daí a mistura com o branco
numa mestiçagem que resultou no gaúcho.
Nossas fazendas possuíam poucos negros e quando havia
estes, eram viventes que atuavam na redondeza das casas,
mais como elemento de trabalho doméstico do que exercendo
a labuta rural, embora, também estivessem afeitos
às rudes lidas do campo.
Esses negros, embora poucos, foram no concerto da sociedade
campestre uma espécie de "faz tudo", desde
a confiança maior dos seus donos até a iniciação
sexual dos jovens filhos dos estancieiros, como também
servindo de repasto aos senhores das estâncias, pois,
as mulheres brancas eram poucas e frágeis e as negras
serviam a libidinosidade dos brancos, daí advindo
heranças de pequenos lotes de campo nas imediações
das grandes fazendas onde a maioria dos escravos até
o apelido de seus donos levavam.
Mais do que isso, o valor de um escravo era muito alto e
uma propriedade de riscos, pois a morte e as fugas colocavam
em perigo tão rico capital. Por isso, usavam a forma
de aparentá-lo com os donos da propriedade, haja
vista a famosa herança do comendador Domingos Faustino
Corrêa, em que este deixava principalmente seus bens
a uma vasta gama de afilhados, os quais, provavelmente,
em maioria, fossem de sua consangüinidade.
Um escravo era muito caro no conjunto de valores que formava
o capital do estancieiro. Senão, vejamos:
No inventário de Serafim dos Anjos Corrêa,
na zona do Cordão, existia, como herança,
uma escrava chamada Felipa, de 21 anos e cujo valor era
de 1.100§000 e que, comparado aos outros valores do
documento citado, estaria hoje beirando aos R$ 40.000,00.
Observe- se que um cavalo, naquela ocasião, que servia
as lides campeiras, não passava de 16§000 e
que ao preço de hoje é de R$ 500,00.
Quando chegou a abolição, ato sublime de uma
princesa que por isso perdeu o trono, não houve muitas
modificações nas estruturas do comportamento
escravocrata, já que o nosso sistema, como explicado
acima, não aglutinava tantos negros. Mas na alma
dos santa-vitorienses, essas figuras de origem africana,
mas de grande maioria mulata, prestaram-se para que nos
Campos Neutrais, houvesse um sincronismo de mistura de raças,
inculcando em nossa mentalidade as crenças, o espírito,
o catolicismo refinado pelas religiões afros, mas
sobretudo, a formação da grande alma desta
terra localizada mais ao sul do Brasil.
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