O LUAR DE JANEIRO, O RETUMBO
DO MAR E UM SAMBA CANÇÃO
Começava
o ano de 1950 e o veraneio no Hermenegildo estava recém
despontando. A era dos caminhões trazendo mudanças
da cidade, tendo como pioneiro o José Antônio
Plá dos Santos, com seu Fargo amarelo que ostentava
em seu “para choque” o imponente nome de Lobo
da Costa, provocava uma grande mudança nos hábitos
de locomoção, via Barra do Chuí e Chuí.
Como era costumeiro naqueles tempos, depois, de passadas
as festas de fim de ano na cidade, com o Baile Infantil
no dia de Natal, o de Gala no dia 31 de dezembro, no Comercial
e o do 1º de janeiro no Caixeiral, as famílias
que possuíam “campanha” se deslocavam
para a faina de tosquiar, fazendo a estada na praia mais
ou menos do dia 15 em diante. Somente o pessoal que vivia
em outras atividades urbanas é que antecipava o veraneio,
tanto na Barra do Chuí, como no Hermenegildo.
Por essa situação, o forte da estação
de banhos começava aí, sendo que na costa
do mar até essa data, o movimento era muito pequeno,
tanto nas águas, como nos clubes, redutos imperdíveis
para toda a gente que se deslocava por tanto tempo para
o Atlântico.
A turma que chegava primeiro no balneário tinha que
contentar-se com o agito incipiente do local e fazia de
tudo, aliás, muito ao seu agrado, para esperar os
retardatários.
Um dos instantes mais desejados ficava por conta das serenatas
que aconteciam depois que as moças saiam do “clube”.
Esperava-se ali, iluminados pelos faróis de carbureto
e gasolina, ensaindo “belas canções”,
que as damas chegassem em suas casas para começar
a romaria pela beira d água, escapando dos terríveis
combros que dominavam o ambiente.
A gente saia, de preferência quando a lua era cheia
que facilitava a passagem dos líricos amantes do
canto, mas também porque provocava nela um misto
de paixão e encantamento. A serenata começava
lá no lado sul no famoso Rancho da Dona Henriqueta,
onde agora está a residência de Alfredo Goebels.
Pelo lado de dentro da casa estava a mocinha Elba Pinto
que recebia a todos com um agradecimento romântico
e emocionado. Depois, começava a volta para o norte
e parada obrigatória era a residência do professor
Luis Sacomani que sempre vinha de Jaguarão e que
muito apreciava as nossas desafinadas cantilenas. Ao chegarmos
no hotelzinho do Orcina que foi construído inicialmente
pelo argentino Artur Vega, suas filhas Gleci e Beci, algumas
amigas e primas esperavam os acordes e gorgeios da turma
cujos intérpretes deviam cantar ajoelhados porque
a areia beirava as janelas do prédio. Após,
seguíamos até onde habitava o grande Genaro
Morroni para dar uma canção para a Maria Rosa
e outras para o velho boêmio, para seguir passando
riacho da Juraci e encantar as meninas Maria Hilma e Heloisa
netas do velho Osman. Daí, era um passo para a palafita
da viúva dona Alda onde as belas Olda e a Leda ficavam
a espera dos sons dos violões, para estes se extinguirem
porque já estavam entoando outras músicas
para as gurias do seu Dinarte Armendaris, a Hortência,
Odila, Osma, e a caçula Olva e terminando o roteiro
da costa com a Maria e Marísia, filhas do Nero Corrêa.
A partir daí a turma penosamente entrava para o centro
da Estação e chegava onde hoje é o
Bar Atlântico do Baixinho, para homenagear a Mariazinha
Sanches e a Ligia do Mosquito e finalmente chegar na volta
do Recreio dos Veranistas e nesse ponto, a Etiene, Nilzinha
Moreno, Totota e mais alguma família que passava
naquele ano a veranear,Dilva, Geca e Eva e Terezinha no
Hotel do João da Aldara.
Eram todas moças “do nosso tempo” e por
isso, deixo de nomear as mais velhas que tinham outros admiradores
e galantes cantores.
Aí findava a serenata embalada pelo retumbo domar,
no silêncio da noite de plenilúnio e onde íamos
acampar no combro de Boca do Lobo onde estava o Paulo Guerra
ecebendo os viajantes que se deslocavam via costa, para
a cidade, mais ou menos, às cinco da manhã,
quando o sol nascia e a grande maioria dos comparsas já
estavam de cabeça cheia de algum “Três
Oito”, Praianinha, ou um litro de Marumbi. Cabeça
tonta, mas com o coração leve em alguns casos
graças ao agradecimento da pessoa querida ou por
um triste desfeito de outra amuada, e sentida.
As músicas da época eram os tangos e boleros,
mas o grupo que se dizia moderno cantava os impactantes
“samba-canções, de inspiração
de Dorival Caimi, Ari Barroso, Antônio Maria, Lupicínio
Rodrigues e tantos outros.
Com todo esse ambiente lírico terminava quando a
lua desaparecia, o retumbo do mar, as aves praiana saudando
um novo dia, o barulho do motor do Gostosinho e ainda estão
na memória de muitos, tristes como”-ninguém
me ama, ninguém me quer......meu amor, esse teu corpo
parece, do jeito que ele me aquece, amendoim torradinho,
ou então, nunca... nem que o mundo caia sobre mim
e o mais interpretado de todos, uma vez me pediste sorrindo,
eu voltei, outra vez me pediste chorando, eu voltei, mas
agora eu não posso, não que quero, nunca mais,
o que tu me fizeste, amor...foi demais”.
Realmente era demais para os nossos corações
que por serem jovens agüentavam esses tempos de mar
e enlevo e que hoje, com estas palavras, só nos resta
recordar. repitinar Caimy.....o que tu me fizeste amor...foi
demais.
Que a lua...que sons, que sambas que estavam no ar!!!
Foi demais..., realmente, foi demais...
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