QUANDO
OS FOLES LIBERARAM SONS EM NOSSO PAMPA E O MAR
Nestes
tempos de grandes ruidos em volta, torna-se dificil sentir
o canto dos pássaros, ruídos das folhas das
árvores e quando a pseudo música, se é
que assim podemos chamá-la, fere os ouvidos e desagrada
o ambiente, lembraremos os executores dos instrumentos musicais,
cujo som foram saídos dos foles delicados, o bandônio
e as gaitas, tão em moda, naqueles tempos. O primeiro
na fronteira, a alma do tango e as outras, servindo em todas
as ocasiões onde era ouvida a melodiosa da arte da
campanha, da zona urbana e a beira mar, em todo o território
nacional.
JOÃO PRADO MARTINS, boêmio por natureza, incentivado
ou pelo menos, aceito por sua esposa, Maria Luiza Posada,
que suportava a sua ausência de noites e noites, quando
o mestre se fazia ouvir, nos bailes de campanha, no Hermenegildo,
nas brincadeiras, ou mesmo, em qualquer boteco, onde os
“borrachos” encurtavam a sua vida dentro da
poesia e o lirismo.
No entanto, era na TAÇA DE OURO, o popular QUINCHO,
saudosamente lembrado pelo declamador Marinho Blotta, que
o popularíssimo PRADO dava demonstrações
de sua habilidade.
Trabalhando na construção do porto nos anos
40, muitas vezes,chegava em casa ao amanhecer, horas antes
de passar o caminhão que os levaria até a
beira da lagoa Mirim. Com um rápido banho, para tirar
a ressaca e tomando um café forte, a fim de, deixar
os rastros etílicos da noite passada, lá ia
o popular executante do “bandoneón”,
como dizem os platinos, para trabalhar na turma, no pesado,
por todo o dia. Ao voltar, passava por sua residência
e continuava a rotina musical, distribuindo, valsas, maxixes,
sambas, boleros e tangos, tão a gosto e afetivo aos
nossos ouvidos.
PRADO, somente deixou de executar o seu instrumento quando
as forças não lhe deram mais, principalmente
por que o foco de sua inspiração – a
noite – já era uma impossível realidade
de alcançar.
Outro gaiteiro que atuava na campanha de nossa terra, era
o curral-altense AURÉLIO SOUZA, afincado pelas bandas
de lá, era cego e oriundo de grande família
que se esparrama naqueles rincões, tornava a sua
arte de “tocar”, também o bandônio,
a gaita de oito baixos, tão popular no interior de
todo o pais, mais o seu inseparável “acordeon”,
de mais recursos que a anterior, num modo de vida. Era a
maneira de sustentar-se e sempre bem vestido e primando
pela aparência, estava requisitado para os bailes
nas estâncias e como fazia parada por um certo tempo
nelas, tornava-se figura popularíssima nos saraus
noturnos, amenizando as longas e solitárias horas
em que o dia custa a chegar. Poeta popular, chegado aos
versos e a redação de cartas, AURÉLIO,
vivia se modernizando com as modas, tanto na poesia, como
em missivas amorosas que, por sua situação,
ditava aos rapazes e donzelas apaixonados. De uma voz clara
e delicada, tornava-se um ser coadjuvante para embelezar
a paisagem de nosso interior.
DIONÍSIO AMARAL, cria do Arroio Del Rei, da estirpe
familiar que lhe deu o nome, era um mulato alto e faceiro,
que gostava de fazer constantes viagens para o “Povo”
e também, para Pelotas e Rio Grande, onde se atualizava
nas mais modernas músicas do momento, principalmente
as marchinhas de carnaval.
Durante o verão, lá pelos fins de dezembro,
já entrado nos anos, ele era contratado pelo Clube
Recreio dos Veranistas, do Hermenegildo e passava toda a
temporada praticando o seu mister.
No hotelzinho da da. Juraci, ali na beira do riacho, onde
ainda o tempo não o derrubou, este homem da campanha
ficava até fins de março, quando os maravilhosos
tempos de férias, se estendiam, havendo menor número
de horas escolares e se aprendia mais, este gaiteiro, com
sua arte e a sonora gaita de oito baixos, ficava no prédio
de palha e madeira – a Sociedade Recreativa, pois,
pelas noites, durante a semana executava peças que
a gente não esquece mais, como “o gato na tuba”,
adeus Ritinha e tantas outras. No sábado, a noite
e domingo no baile infantil, o nosso querido e simpático
Dionísio, era substituido pela flamante orquestra
do grande homem da arte musical, que era o Darci Blotta.
DIONÍSIO AMARAL terminou sua tarefa de verão,
quando em 1951, na presidência de Roberto Rotta e
Anselmo Leonetti, foi comprada uma “eletrola”,
como o nome diz, distribuindo sons através de válvulas
elétricas e o disco movido à manivela, que
inicialmente estava aos cuidados do Francisco Donato Cava,
o Chico.
Estes homens, a sua maneira, forma diferente de execução,
habilidades várias e sobretudo, com a sensibilidade
de entender a juventude das praias, a solidão da
campanha e a vida boêmia, foram uma referência
da arte, simples, sem os horrores do que se conhece hoje
e é por isso, que Santa Vitória do Palmar
lhes deve, pelo menos, uns instantes de recordação
e saudades, pelo que fizeram, praticando o seu trabalho
e suas paixões de artistas por estas latitudes.
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Foto de Aurélio Souza (cedida gentilmente
por Luzardo Echeverria) |
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O gaiteiro Dionísio
ao centro cercado por seu filho e irmão (cortesia
de seu sobrrinho Altamiro Terra) |
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Joao
Prado Martins com seu bandôneo numa festa familiar
(do acervo da família Prado Martins) |
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