Um Tiro E Um Gesto: Dois Momentos Nas Lutas
Políticas
Santa Vitória do Palmar, como a maioria das comunidades
rio-grandenses, viu-se envolvida nas pugnas partidárias
que aconteciam entre antigos correligionários, que
por mais de vinte anos, ocupavam o governo, desde a implantação
da República. Primeiro sob a liderança de
Julho de Castilhos e depois, por Antônio Borges de
Medeiros.
Aqui, essa situação era imutável, com
o comando de Manuel Vicente do Amaral e Antônio Irineu
Alves Nunes, o coronel Leléo, até que uma
dissidência aguda, já narrada nesta coluna,
colocou José Soares de Azambuja, Plácido Terra,
Renato Freitas Guimarães, Amaranto Coutinho e tantos
outros, em cheque a continuidade de poder e que veio a modificar-se
após a Revolução de 30.
O cel. José Antônio Neto, o comandante de Zeca
Neto, um dos líderes contrário à permanência
de Borges, veio a esta cidade arregimentar adeptos para
a causa e fortalecer os laços que iriam desembocar
no movimento chamado LIBERAL, dando origem ao Partido Libertador.
Grande entusiasmo aconteceu com os parceiros dessa corrente
política, que se reuniram na Pastoril, para um grande
churrasco que naquela época, só era visto
quando se juntavam os membros do Partido Republicano, dono
da situação local, e a seguir vieram para
a Praça Mal. Andréa, onde houve outro comício,
para logo se aboletarem no sobrado de Plácido Terra
e já com fortes ardores etílicos, a caravana
resolveu passar pela rua Conde de Porto Alegre, num desfile
imponente de uma cavalaria garbosa e agressiva. Ao chegarem
na esquina do hoje, banco Santander, ao lado da residência
do cel. Leléo, este e seu grupo com as armas prontas
dentro da sala esperavam o trágico desfecho e nesse
instante aconteceu um fato que poderia ser lamentável:
os fuzis e revolveres estavam à tocaia no corredor
da casa e em cima da mesa da sala e um menino de 8 ou nove
anos, que é o narrador de tal fato, chamado Carlos
Alves, correndo pelos cômodos, faz com que uma arma
disparasse, distruindo uma cadeira de balanço e cuja
bala, se alojou ali, causando um grande estrondo e um enorme
furo na parede (rombo este que eu conheci na habitação
onde agora está a loja Kriativa), passando de raspão
no rosto do menino Carlinhos. Este tiro colocou todos em
alerta, em especial ao grupo do Gal. Zeca Neto os comandados
dos Alves saíram para a frente, na espera de um ataque
que seria de resultados catastróficos e quando estavam
bem em frente aos adversários, um seguidor da caravana
gritou “ viva o cel. Zeca Neto e todos rondaram para
o desfecho que seria inevitável, mas o comandante
revolucionário, ao deparar com os espectadores inimigos,
ao cruzar com o velho Leléo, cortesmente tirou o
chapéu, saudando ao chefe opositor e aos demais indivíduos
parados na calçada.
Foi um momento de emoção já que todos,
de ambos os lados fizeram o mesmo e Carlinhos Alves, ainda
tremendo de medo, viu a sua vida correr um grande perigo,
momentos antes, sem imaginar, pela tenra idade, que poderia
provocar uma hecatomba na rua arenosa, mas depois, já
adulto, soube aquilatar a gentileza do velho caudilho e
seus opositores, que no bojo de um gesto, souberam dignificar
os ideais ideológios e que lamentavelmente, quase
sempre descambavam para degolas e mortes irreparáveis.
Carlos Alves Nunes ficou entendendo o valor de homens, como
Antônio Irineu Nunes, o cel. Leléo, José
Antônio Neto, o cel. Zeca Neto, que um dia evitaram
que, o leito de uma de nossas ruas se manchasse de sangue.
Assim é feita a cidadania e também, se constrói
uma Pátria.
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O Menino
Carlos Alves Nunes, o Carlinhos Alves. |
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O caudilho
José Antônio Neto, o cel. Zeca Neto,
tendo ao lado dois seguidores |
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