A razão de o levarmos com muito orgulho, em especial
quando nos encontramos longe da terra, é oriunda
de um pássaro negro de hábitos aquáticos
que vive em toda a América, desde o Alasca até
a Patagônia, habitando as margens de arroios, lagoas,
rios e principalmente, banhados. É muito arisco,
mesmo que vivendo em média distância com o
predador maior, que é o homem, ao menor ruído
em sua volta, mergulha, indo reaparecer numa distância
livre do perigo. Chama-se popularmente por aqui de biguá,
nome de origem indígena extraído do som que
provoca o seu canto, mas nas línguas dos colonizadores
ibéricos, transformou- se em Mergulhão. Este
animal é uma figura destacada em nossa zona, principalmente
nos alagados, e em especial, onde está a geografia
de nossos municípios.
Com a chegada de portugueses e espanhóis neste pampa
platino, as lutas entre ambos duraram mais de trezentos
anos, no afã de conquistarem a boca do Rio da Prata,
com a finalidade de dominarem aquele curso hídrico
e chegarem às minas de Potosi, na Bolívia,
a fim de, escoarem a prata abundante ali. As correrias das
forças européias, juntamente com os índios
transformavam a região num palco de sangrentas guerras,
deixando como prova grande quantidade de fortes militares,
como Assunção, Buenos Aires, Colônia
do Sacramento, Montevidéu, Santa Tereza, São
Miguel, Rio Grande, São José do Norte, Rio
Pardo etc.
Nesse ínterim, tratados como o de Madri (1750), mas
principalmente o de Santo Ildefonso (1777), procuraram dar
trégua às hospitalidades. Neste último
surge uma nova ordem jurídica-diplomática,
conhecida como os "Campos Neutrais", zona neutra
entre os domínios de ambas as coroas. Sua demarcação
desde o Chuí até o norte do Brasil, pelo lado
oeste, foi impossível devido à natureza dos
terrenos. Mas aqui, onde hoje estão os municípios
Chuí e Santa Vitória do Palmar, tornou-se
fácil fazê-lo, já que ao sul estavam
os arroios Chuí e São Miguel; pelo norte o
banhado do Taim; pelo oeste a lagoa Mirim e no leste, o
Atlântico. Toda esta área ficou impossibilitada
de domínio político dos países guerreantes
e dessa maneira, com o aparecimento das estâncias
para a criação do gado vendido em São
Paulo, os habitantes que aqui se encontravam expostos à
sanha de militares, mas principalmente de bandoleiros que
faziam-no um cenário de suas correrias, mais conhecidos
por "gaudérios" e depois, "gaúchos",
truculentos e arrasadores, tendo lei própria, roubando
os animais, matando os homens e levando as mulheres. Devido
à topografia do terreno, era muito difícil
a defesa das famílias radicadas em ranchos que depois
se transformaram nas grandes fazendas do extremo sul.
A única solução para safarem-se dos
ataques referidos era o esconderijo nos banhados ou então,
os homens defendiam suas terras e gente, chegando inclusive,
como em toda região pampeana existirem ainda casas
com peças sem comunicação com o exterior,
onde os elementos do sexo masculino defendiam suas posses
com a vida.
Ao menor sinal da vinda ao longe de tropas de forasteiros,
todos se colocavam de atalaia e somente depois, devidamente
identificados os indivíduos, é que os mais
fracos começavam a aparecer, ficando meio escondidos
nas sombras das árvores do banhado ou nas pontas
dos ranchos e casas. Mas agora é que surge o apelido
Mergulhão, pois ao serem vistos pelas pessoas de
fora, logo se escondiam como fazia o referido animal, envergonhados
e tímidos.
Passado o tempo, fins do século dezenove e até
o termino da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o interior
desta plaga sulina, principalmente devido à melhoria
das estradas e do aparecimento do "jeep", começou
a permitir um maior contato entre as pessoas de fora, que
eram apelidadas de Mergulhonas pela situação
histórica referida e pelo isolamento. Hoje, nossos
municípios estão adequados ao trânsito
diário, distinguindo-se essa diferença do
"Homem do Campo e da Cidade". Fomos todos nivelados
no âmbito social.
É bem verdade que ainda os mais antigos sentem uma
ponta de raiva quando assim são chamados, mas na
realidade nossa gente já assimilou o epíteto
que nos caracteriza, principalmente quando estamos longe
dos pagos e aí verdadeiramente nos orgulhamos de
sermos chamados de Mergulhões.
|