UM GRANDE CASO DE AMOR NAS
BARRANCAS DA BARRA DO CHUÍ
As histórias que passam por nossa
terra são algumas trágicas, como as lutas
pela ocupação fronteiriça entre espanhóis
e portugueses por mais de cem anos, mas também existem
algumas, que pela sua originalidade e romantismo, ficaram
gravadas no ideário dos mergulhões. Quando
alguém as retira do fundo dos poeirentos baús,
transformam-se em verdadeiras passagens de perseverança,
mas sobretudo, de amor.
Joça Documento, o criador do balneário mais
austral do Brasil, foi um grande depositário de assuntos,
alguns graves e destacados, como outros, de cunho anedótico
ou profundos contos de carinho e ternura.
Foi referência nos acontecimentos passados naquele
lugar, principalmente após a Caravana Aquática,
recomendação dos médicos da cidade
para que fossem ao mar, a fim de, ficar longe das epidemias
que grassavam, talvez, a meningite, que ceifou um grande
número de vidas por estas latitudes e no Brasil todo.
Este homem de visão, começou a construir ranchos
em terrenos de sua propriedade, na bela paisagem entre o
oceano e as barrancas altas intermediadas pela desembocadura
do arroio Chuí, que passava, as vezes, por toda a
frente do casario. A maldade, a ganância e a corrupção
da ditadura de 64, retiraram esta parte final da corrente
d´agua, aprisionando-a nuns molhes que, ao que parece,
para nada possue serventia.
Joca Documento casado com da. Petrônia, que lhe deu
14 filhos, enviuvando, ficou confinado naquele belíssimo
recanto sulino, precisando dar continuidade à sua
vida solitária, desejou levar para lá, uma
companheira para o resto de sua vida que ainda estava em
plena maturidade para uma velhice, como aconteceu muito
depois.
A segunda parte da narrativa foi o encontro pelo Homem da
Barra, com uma companheira que iria seguí-lo, com
perseverança e fé, até o falecimento
do mesmo, deixando uma réstea de ternura, companheirismo
e muito mais, dando novos alicerces para a obra familiar
que o mesmo desejava dar sequência.
Esta parte bonita da vida a dois, teve início em
nossa cidade de Santa Vitória do Palmar e não
naquele local marinho, onde uma curva do “riozinho
dos tartarugas” aponta o extremo do nosso pais e quando
o mesmo desemboca no Atlântico, marca o limite meridional
do litoral sul brasileiro, perpetuando a famosa frase conhecida
por todos - “Do Oiapoque ao Chuí”.
Narrada num momento emocional por um neto do casal, o Babi,
filho da Inês, demonstra a personalidade do velho
Lobo do Mar, o eterno faroleiro cujos descendentes, em sua
maioria, trabalharam para esse órgão federal,
cuidando dos faróis da nossa costa, principalmente
o mais ao sul, da grande terra verde-amarela.
Dizemos por aqui, com muito orgulho, que o Farol da Barra
do Chuí é o primeiro do Brasil!
Nas primeiras décadas do século veio para
estes lados clinicar em medicina, o médico Aquiles
Chardonen, que muitos pronunciavam, Chardonon, provocado
por a sua origem francesa, a confusão linguística
e possuia uma linda filha entrada na adolescência.
Culta para a época, de uma educação
refinada muito acima das mocinhas do lugar, talves, pela
estada na França. Bonita e faceira, era muito requisitada
nas rodas de nossa diminuta sociedade e por ser assim, encantava
a todos, em especial os rapazes que lhe faziam a corte,
mas, quem sabe, por sua tenra idade, nunca desejou um compromisso
mais firme como se dizia naquelas épocas.
Um dos grandes divertimentos da mocinha que chamava-se Laura,
além das lidas da casa, bordados, piano e tantos
outros predicados era de cuidar dos animais.
Morando na rua 13, hoje Barão do Rio Branco, cujo
leito era fundo e arenoso, prestava-se para, durante as
chuvas que alagava grande parte da via, para as brincadeiras
dos meninos com seus carrinhos, barcos e rodas com um empuxe
de arame. Isto fazia com que a mocinha Laura levasse seus
patos, arreando-os como se fosse gado, para nadarem nas
águas empoçadas no caminho. Este deleite era
repetido, sempre que as torrenciais quedas d´agua
transformavam o local numa verdadeira lagoa para o agrado
de muitos e a fúria dos transeuntes, embarrando-se
e com atoleiros mil.
Numa determinada manhã estava a jóvem Laura,
filha do doutor, cuidando de suas queridas e frágeis
avezinhas, quando passou pelo local, vindo da Barra, montado
num flamante cavalo, o recem sofrido viúvo e ao ver
a simplicidade e o gosto da jovenzinha dedicada aos labores
domésticos, tomou-se de paixão por ela e ainda
em sua montaria, num arroubo de galante gaúcho interiorano,
dedicou-lhe uma proposta que foi respondida pela atônita,
mas confiante donzela:
Mocinha, fala Joca Documento, encantado com a tua beleza
e vendo-te dedicada aos labores do lar e não tendo
esposa para cuidar dos meus filhos, da minha casa e principalmente
de mim, vivendo numa eterna solidão ao sopro do vento
que vem do mar, gostaria de levar-te aquelas paragens, para
seres a minha companheira. Seria de teu agrado essa nova
vida?
Laura, primeiro estupefata pela proposta inusitada daquele
homem esbelto, mas rude, demonstrando uma grande sinceridade,
depois, encantada com tamanho afago, respondeu:
Se meu pai permitir seria de minha vontade partir contigo
para aqueles lugares que conheço e que gosto tanto!
Acontecida a permissão, esta arruma a sua bagagem
e parte com o seu futuro esposo para nunca mais sair para
residir em outro lugar e para sempre ser feliz.
Que grande sonho de amor, misto de ousadia e fé!
Agora a jovem senhora passou a chamar-se Laura Chardonen
Pereira e como anteviu seu esposo, foram companheiros para
sempre e dessa união, juntados os 14 filhos com a
primeira esposa, Petrônia, vieram mais 16, formalizando
uma prole de 30 filhos, aliás, sendo o último,
apelidado de Antônio Trinta Chardenon Pereira.
De uma grande amizade com o padre da paróquia, Vigário
José Vasques e com seus filhos, principalmente Pedro
Alexandrino Vasques, “o Pedro do Vigário”,
esta família sulina sempre esteve em contato com
os maiores da terra a agora viúva, nos inícios
de 40, da. Laura, durante as suas prolongadas estadas na
cidade, ficava morando na residência do neto do padre,
Nelson Vasques Rodrigues, onde seus filhos, onde se inclui
o autor desta crônica, aprenderam a amar essa veneranda
senhora, conhecedora de muitas histórias de céu,
mar, barrancas, mas principalmente de como o amor, mesmo
chegando rápido e de inopíno, pode trazer
uma nova comunidade, com tantos filhos que foram a alegria
de seus dias.
As barrancas da Barra do Chuí estão ai! O
vento trazendo os cantos marinhos continua soprando, as
histórias do Joca Documento seguem passando de “boca
em boca” e o exemplo daquela mocinha, Laura Chardonen,
está vivo, emoldurando uma das mais bonitas paisagens
desta terra de mais de 150 anos.
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Da. Laura, em idade
madura, com um vestido feito pela costureira conterrânea
Maria Cândida Naparo, para uma festa de casamento
de uma de suas filhas (esta fotografia é uma
gentileza de uma descendente, Hermina Peres, viúva
de Wilson Peres, motorista do Gostosinho, filho de
seu Odranoel Peres). |
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Joca Documento
sentado com uma garrafa na mão, tendo a esquerda
um amigo da família - do lado direito da. Laura
e os netos Ciro e Hermínia - atrás -
Antônio 30 e Gregória, (também
gentileza de Hermínia Peres). |
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Rua
13 toda alagada durante uma temporada de chuvas (cortsia
da pesquisadora Lígia Spotorno Petruzzi e da
Foto Color de Sérgio Oliveira). |
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