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O velho padre e o jovem político

Nossa terra sempre foi caracterizada pelo isolamento. Na verdade, não sei para mal ou para bem, pois formamos uma personalidade tão diferente até no ato de sermos ariscos, que sempre causou admiração e apreço aos visitantes que aqui chegavam ou que entabulavam contato conosco em outras plagas. Sendo assim, forjamos um caráter de amizade e hospitalidade com os forasteiros que em grande parte vinham para cá e não voltavam mais, deixando seus restos neste solo ubérrimo.

 

Assim José Vasques Gonçalves, português da freguesia de Cancello de Saborosa, na província de Trás-dos-Montes, na mãe-pátria, e que chegou por volta de 1859, quatro anos após a fundação de nossa povoação. Foi o primeiro padre a postar residência fixa aqui, já que o cônego José Garcia, que rezou a primeira missa em nossa capelinha, era lotado no distrito do Taim. Homem de grandes luzes intelectuais, sempre esteve envolvido nos movimentos que caminhassem em direção de nosso desenvolvimento. Em 1861 foi nomeado delegado paroquial, o que corresponderia hoje ao cargo de secretário municipal de Educação. Esteve à frente da campanha para a fundação de nosso hospital e desenvolveu profícuo trabalho na Loja Acácia Vitoriense, já que era um fervoroso maçom.
Residia na rua 7 de Setembro, esquina Saldanha Marinho, onde depois foi a residência de José Portaluppi, seu genro. Como curiosidade, na época vivia em sua propriedade (que era localizada na quadra formada pelas ruas citadas e mais as de hoje, João de Oliveira Rodrigues e General Osório), com uma companheira de toda a sua estada aqui, chamada Heduvyges Vega, uruguaia, que servia de sua doméstica, de onde veio surgir uma grande paixão, resultando em quatro filhos, Clementina Olympia, Pedro Alexandrino, Joaquina e Catharina Elvira, dando origem o clã dos Vasques Portaluppi, Vasques Portaluppi Viana e Vasques Rodrigues.
Graças ao zelo deste religioso, grande parte dos registros civis dos moradores de nossa terra não foi extraviada, pois uma documentação com nascimentos, batismos e óbitos, transportados por um iate pela Lagoa Mirim, foram perdidos num naufrágio, mas as cópias que o padre fez em seus "borradores" ficaram como garantia de identificação, até hoje servindo tanta gente, principalmente os descendentes dos Corrêa, que tentavam justificar serem herdeiros de famosa herança do comendador Domingo Faustino Corrêa.
Depois do velho sacerdote, queremos destacar, por um ângulo diferente, a figura do maior político santa-vitoriense de todos os tempos: Manoel Vicente do Amaral.
Menino ainda, já apresentava sintomas de uma grande inteligência e de férrea vontade de seguir o caminho das letras. Era de índole acanhada e muito quieto, mas persistente em seus desejos. Por causa disso, foi levado a estudar em Rio Grande numa escola particular, o que aconteceu por pouco tempo, pois sua capacidade fez com que seus mestres avisassem seus pais que ele deveria seguir para Porto Alegre a continuar seus estudos, porque na cidade marítima não havia mais o que ensiná-lo.
Chegando na capital, matriculou-se na escola dos irmãos Aquiles e Appeles Porto Alegre, sucedendo o mesmo fato que o primeiro. Daí dirigiu-se para a Faculdade de Direito de São Paulo, onde se desenvolveu o espírito republicano com amigos como Júlio de Castilho, Borges de Medeiros e tantos outros, o que o fez um ferrenho seguidor do positivismo e de déias republicanas, inclusive tendo fundado um centro cívico chamado 20 de Setembro, para lutar pelas instalações da República. Quando vitoriosa esta, Manoel Vicente do Amaral foi convidado para representar sua terra como deputado estadual constituinte por duas vezes, a implantar a Constituição Estadual Rio-grandense.
Voltando a seu município, aqui foi prefeito por várias vezes, mas não deixou de ter contato com grandes figuras políticas do Estado e do País, inclusive com os mais jovens. Entre eles, aquele que seria o presidente da República: Getúlio Vargas.
Teve a pontificar sua atuação a melhoria da Cacimba Pública, popularmente chamada de "Cacimba da Nação", dotando-a de uma caixa d'água e um motor a gasolina; teve destaque na luta pela criação da Sociedade Pastoril, mãe do nosso Sindicato Rural; a introdução de um novo contrato para a instalação da energia elétrica e tantas outras atividades, como o pedido ao presidente GetúlioVargas para dar uma solução ao trágico problema da comunicação com o resto do território nacional.
É famosa a expressão do primeiro mandatário quando recebeu uma carta das mãos do juiz Carneiro Pereira fazendo-lhe esse pedido, mandando a resposta do ditador: "Diga ao velho Amaral que se reúna com seus concidadãos e escolha o que de melhor lhes favorecer para terminarmos com essa angustiante situação".
Morre Manoel Vicente durante a guerra e seu último ato foi uma manifestação na sacada de seu sobrado, que ainda hoje está como prova testemunhal de seu amor pela liberdade, pois, quando já muito doente, foi convidado para falar aos seus munícipes sobre o ultraje do afundamento pelos alemães de navios mercantes em nossas águas. Numa prova de indignação, não titubeou e lançou um reto aos inimigos, profético e brilhante, como todos que fazia. Este foi seu último cantar, pois na madrugada desse glorioso dia, o Tribuno dos Provedores voou nas asas da liberdade para a consagração na eternidade.

 

Padre José Vasques Gonçalves

 

Manoel Vicente do Amaral


:: Pergunta da Semana ::

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